sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

FIM

O ano chegou ao fim e também este blogue, uma vez cumprido o seu propósito.
Quando há um ano falei desta ideia à Emília e ao Miguel pensava que iria escrever menos, que surgiriam outros contributos, comentários, informações complementares. Mas a partir da lista de actividades que iniciei e que o Miguel foi completando até há poucos dias (teve sempre o dom de pegar nas minhas ideias e de me ajudar a objectivar, sistematizar e concretizar), a informação parecia não ter fim, e eu próprio me surpreendi com a quantidade de eventos sobre os quais comecei a escrever.
Ainda mostrei os primeiros textos antes de os publicar, mas depois o ritmo apertou e continuei num trabalho quase solitário, na maior parte das vezes feito noite dentro. Ao contrário do que previa, escrevi muitas vezes na 1ª pessoa do singular, assumindo que esta era, entre muitas outras possíveis, uma leitura sobre a história do coro e a minha forma de fazer memória.
Escrevi também sobre as pessoas que foram cruciais no desenvolvimento do coro, e até sobre pessoas, instituições e acontecimentos exteriores que constituíram forte referência para nós, e por isso humildemente acato que o post anterior tenha sido incluído, sem prévio aviso, pelas duas outras pessoas que têm acesso ao editor do blogue. Confesso que me assustei, mas agradeço-lhes do fundo do coração o seu gesto, como agradeço a todos aqueles cujo nome não aparece nestas páginas, e que contribuíram para que o coro fosse aquilo que foi, desde coralistas, a reforços, mecenas e amigos. Deixo a amizade no fim, porque, quando verdadeira, é o que permanece depois de tudo o resto, e se o fim do coro teve alguma vantagem foi a de perceber a quantidade e sobretudo a qualidade dos nossos amigos.
Pude confirmar, ao longo do ano, até pelos muitos ecos que me chegaram sem ser pelos comentários ao blogue, que o Coro de Santa Maria de Belém constituiu efectivamente uma experiência muito singular, a vários níveis (musical, litúrgico, humano…) e conseguiu uma convergência de pessoas e vontades impossível de repetir.
Com o fim do coro muitas pessoas me propuseram retomar a actividade noutra igreja e manter o grupo, ao que fui sempre respondendo que esta experiência em concreto era irrepetível, uma vez pensada e desenvolvida em função de um espaço concreto e numa tal convergência de condições. Mas o mínimo que se impunha era fazer memória e não arrumar para um canto esta história da mesma forma com que se quis arrumar para um canto este projecto.
Também se poderia esperar que este blogue fosse um ajuste de contas ou que pretendesse aqui fazer a moral da história. Mas está tudo escrito, a obra fala por si, e não há mais nada a reclamar a quem quer que seja.
O blogue tem uma leitura diacrónica (quase 20 anos de actividade) e uma escrita sincrónica (20 anos condensados num ano). Está feito e não haverá mais publicações.
Com tempo será feita a revisão dos textos, e elementos ilustrativos. A publicação em suporte de papel é uma hipótese a considerar mas o blogue é, por definição, para ser visto aqui, enquanto possível.
Espero que este contributo, como a própria história do Coro de Santa Maria de Belém, possa constituir uma oportunidade de interrogação sobre o papel da Música na vida cultual e cultural da Igreja e na sua missão evangelizadora neste tempo que é o nosso. Uma interrogação despida de preconceitos, moralismos e conveniências, que permita a cada um, ao nível das suas responsabilidades, perceber o que deixa para a história.

PS: As estatísticas disponíveis sobre este blogue dizem-nos, à data de hoje, que o nº total de visualizações de páginas de Maio a Dezembro foi de 6 086. No mesmo período, as mensagens mais vistas foram sobre 'Vestes corais' (351 visualizações), 'Ferreira dos Santos' (117) e 'O lugar do coro' (82). Considerando ainda as visualizações por país, temos: Portugal 4 862, Brasil 577, Estados Unidos 206, França 62, Espanha 45
Holanda 37, Canadá 31, Eslováquia 28, Alemanha 25 e Reino Unido 22.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Fernando Pinto


Este blog, em que se foi narrando ao ritmo do calendário aquela que foi a actividade de quase 19 anos do Coro de Santa Maria de Belém, foi uma iniciativa de Fernando Pinto, director do coro durante toda a sua existência, iniciativa essa que partilhou com Emília Alves da Silva e Miguel Farinha.

Além da divulgação das muitas actividades (celebrações litúrgicas, concertos, digressões, cursos diversos e outros projectos), o blog serviu também para lembrar aqueles que tiveram particular destaque na vida do CSMB. Deste modo, chegados ao final do ano e depois de, ao longo dele, termos percorrido os momentos mais marcantes na vida do coro, achámos que este era o momento adequado para lembrar aquele que foi a alma e o motor da actividade do coro durante toda a sua vida – Fernando Pinto (e com isto, tornar este verdadeiramente o penúltimo post neste blog).

Dotado de uma enorme capacidade de trabalho e um espírito de iniciativa capaz de fazer inveja a muita gente, aliados a uma grande frontalidade (para muitos, mais partidários de “falinhas mansas” e “intrigas de corredor”, porventura incómoda), o Fernando dedicava já a quase totalidade dos seus tempos livres à causa da música da igreja nos Jerónimos (organista, condutor de assembleia, responsável pelo coro da missa vespertina das 19h e director do Serviço de Música Sacra) quando, em 1990, lançou mãos à obra na criação de um coro para a missa solene das 12h. Era então seu objectivo principal criar um coro com capacidade musical digna do espaço excepcional que é a Igreja dos Jerónimos.

O trabalho do Fernando com o CSMB sempre teve por base duas grandes convicções:

1) a de que, em Portugal, em Lisboa e no caso concreto dos Jerónimos, era possível fazer música de qualidade. A exemplo do que em todo o mundo ocidental se passa, nas igrejas maiores e nas catedrais, era possível ter um coro capaz de pôr efectivamente em prática as directivas dos documentos da Igreja em matéria de música – canto gregoriano, polifonia clássica, sem esquecer a música coral de qualidade composta em vernáculo (foi sempre essa a inspiração mesmo quando o coro era ainda muito modesto nos seus primórdios); nunca cedeu a facilitismos ou a músicas de gosto fácil e qualidade duvidosa para agradar a este ou àquele a tudo sobrepondo a qualidade da música e do texto...

2) a de que um trabalho de qualidade, cujo fim último é a “glória de Deus e santificação dos fiéis”, só pode ser feito com um espírito de compromisso (tão pouco habitual nos nossos dias). Daí a sua grande exigência em questões como a pontualidade e a assiduidade dos coralistas – ser voluntário não implica apenas que não há qualquer recompensa material mas tem que implicar entrega à causa (contrariamente ao espírito do voluntário que, por sê-lo, só está quando lhe causa pouco ou nenhum transtorno, com isso deixando para Deus, e neste caso para a música da igreja, apenas o que sobra...).


O trabalho com voluntários e amadores, muitos dos quais sem qualquer preparação musical, foi sempre um dos grandes desafios – uma das maiores limitações mas talvez uma das maiores vantagens (pela sua entrega). E o Fernando soube sempre ser o maior exemplo dessa entrega e dedicação e, com esse exemplo, conseguiu levar longe este projecto excepcional que foi o CSMB, nunca abdicando dos seus princípios...

Dessa forma, raramente lhe faltaram a força e a coragem para impulsionar de forma determinante o desenvolvimento musical do CSMB, elevando sempre o nível das suas intervenções musicais e da sua actividade em geral – repertório exigente para a liturgia, programas de concerto diversificados (muitas vezes apresentando obras esquecidas e de enorme qualidade – por exemplo o Membra Jesu Nostri de D.Buxtehude ou a Missa de S.Jerónimo de M.Haydn cujo efectivo instrumental era uma orquestra de oboés e fagotes...), oportunidades de formação (que começaram por ser sobretudo internas, como os dias de preparação vocal com o Paulo Antunes, mas que com o tempo passaram a ser abertas ao exterior, como nos workshops de polifonia com Owen Rees, de técnica vocal com Ghislaine Morgan ou de canto gregoriano com Mª Helena Pires de Matos), entre inúmeras actividades que idealizou e concretizou com o apoio e empenho de muitos...

Tudo o que estas palavras evocam é apenas uma pálida sombra daquilo que o Fernando deu efectivamente de si próprio no CSMB e fica aqui como um agradecimento que é antes de mais nosso, mas sem dúvida partilhado por muitos que tiveram a oportunidade de com ele trabalhar e assim conhecer o seu enorme entusiasmo e as suas qualidades humanas.

Emília Alves da Silva e Miguel Farinha

Pequenos Cantores de Belém


A Igreja celebra a 28 de Dezembro a Festa dos Santos Inocentes, as crianças do sexo masculino que foram assassinadas na cidade de Belém, cumprindo a ordem do Rei Herodes que não entendeu o sentido da profecia que dizia que o Rei dos Judeus iria nascer naquela cidade e seria o rei de todos os povos.
Esta festa é assinalada não só no contexto litúrgico, mas muito em volta dele, com manifestações populares em torno da inocência e que nalguns casos se assemelham ao dia das mentiras (1 de Abril).
Uma das tradições mais peculiares está ligada aos coros de pequenos cantores, nos países onde há tradição de coros de pequenos cantores, e consiste em permitir que as crianças destes coros se disfarcem de cónegos e de bispos e assumam por um dia a responsabilidade pelas catedrais. É uma brincadeira, bem entendido, e só é possível em sociedades onde o canto, a liturgia e o papel das crianças na vida cultual é levado muito a sério. Caso contrário, não passaria de uma tradição quase incompreensível.
Vem isto a propósito da experiência dos pequenos Cantores de Belém, que o Coro de Santa Maria de Belém promoveu, em parte, durante vários anos. Em parte, porque a experiência arrancou primeiro no âmbito do Serviço de Música Sacra da Paróquia de Santa Maria de Belém e só numa 2ª edição foi dinamizada pelo coro, enquanto associação.
Na base desta experiência esteve o contacto com coros de pequenos cantores no estrangeiro (nomeadamente em Londres e em Regensburg) e também em Portugal. Esteve também o aprofundamento daquilo que foi o movimento dos ‘pueri cantores’, no âmbito da reforma litúrgica do Séc. XX, e a realização do 1º Encontro Nacional de Pequenos Cantores, em Fátima (1992) e a criação da Federação Nacional dos Pueri Cantores, amplamente relatados na Voz Portucalense e no Boletim de Música Sacra do Serviço Diocesano de Música Litúrgica do Porto.
A formação musical das crianças é uma actividade milenar na Igreja. Do Séc. IV ao Séc X., pelo menos o canto das crianças na liturgia era frequente, havendo relatos impressionantes do Séc. IX onde coros de crianças se associavam aos dos monges para assegurar o canto ininterrupto do Ofício 24 horas por dia! Esta tradição manteve-se embora sujeita a adaptações quando surgiu a polifonia, enfraqueceu com o aparecimento da Ópera e sua influência na música da Igreja e sofreu um duro golpe com o desaparecimento das escolas das catedrais e das abadias no Séc. XIX. A reforma litúrgica, que procurou regressar ‘às fontes’, não podia pois deixar de considerar a reabilitação desta tradição.
S. Pio X teve uma importância fundamental neste movimento. Em 1907 alguns jovens estudantes, inspirados no seu Motu Proprio, prepararam-se cuidadosa e assiduamente para a execução do canto litúrgico, que cantaram de cidade em cidade, de igreja em igreja. Pio XI deu instruções mais claras: «Quanto às escolas de crianças, sejam fundadas não só nas igrejas maiores ou catedrais, mas também nas igrejas menores ou paroquiais: e as crianças sejam educadas no belo canto pelos mestres capela, a fim de que as suas vozes, segundo o antigo costume da Igreja, se juntem aos coros dos homens, especialmente na polifonia sagrada, sendo-lhes confiado, como sempre foi, a parte de soprano, ou de canto.»
Em Paris foi fundada a Manecanterie des Petits Chanteurs à la Croix de bois, que teve como grande animador Mons. Maillet (1930) o qual escolheu como divisa «Amanhã todas as crianças do mundo cantarão a Paz de Deus». Ainda hoje é possível encontrar fotografias destes coros, em que as crianças assumiam como sua insígnia, sobre a alva branca, a cruz de madeira. O movimento alastrou-se a toda a cidade de Paris, a toda a França e a uma boa parte da Europa, sob o patrocínio dos pontífices, que presidiram a várias missas de congressos internacionais de pequenos cantores, em Roma.
O Concílio Vaticano II, que teve a sua preparação remota desde o início do Séc XX, foi fortemente impulsionado pelos movimentos litúrgico e musical que tiveram uma grande vitalidade apesar das guerras, mas não veio trazer nada de novo, uma vez que apenas reforçou aquilo que os papas tinham recomendado nas referências explicitas às Scholae Cantorum na Constituição sobre a Sagrada Liturgia e na Instrução sobre Música Sacra.
O panorama é hoje francamente pior. Não há praticamente coros de pequenos cantores em Paris (ainda no Verão procurei em vão saber dos Petits Chateurs de Saint Germain des Près que recebera nos Jerónimos no início da década de 90 e já não existem). A Alemanha mantém alguns dos seus melhores coros de pequenos cantores como os Regensburger Domspazen (que também recebemos nos Jerónimos no ano 2000) e até aqui ao lado em Espanha se mantêm experiências como a Escolania de Montserrate. Mas a grande excepção é sem dúvida Inglaterra, onde o elevado nível da música nas igrejas foi e continua a ser favorável, apesar das dificuldades dos tempos, a este tipo de coros. As catedrais têm como modelo de coro fundamentelmente o modelo dos pequenos cantores, tanto no contexto anglicano como no católico, onde o caso mais paradigmático é o Coro da Catedral de Westminster, que foi fundado e iniciou a sua actividade mesmo antes de concluído o edifício da catedral, na perspectiva de uma oferta de grande qualidade, que ainda hoje está patente (deve ser a única igreja no mundo onde diariamente é cantada uma missa por um coro, com reportório de grande fôlego).
A experiência dos Pequenos Cantores de Belém começou com o convite a uma especialista no método Ward, a Dra. Idalete Giga, que arrancou com um grupo de mais de 40 crianças no ano lectivo de 1993/94. O entusiasmo foi enorme, e o grupo mostrou facilidade na abordagem ao canto gregoriano e ao canto popular religioso. A sua integração na liturgia parecia, no entanto, um processo demorado e o orçamento do projecto era excessivo para a Paróquia.
No ano seguinte o modelo tomou outro figurino, com um tempo de formação musical por semana e um tempo de coro propriamente dito, que foram confiados, respectivamente, à Prof. Maria Luísa Lopes e à Irmã Maria de Jesus. Este modelo, que foi inspirado numa carta que, na altura, me foi enviada de Regensburg pelo Dr. Paulo Antunes e em que esboçava o esquema mínimo de um projecto musical com crianças para a liturgia, manteve-se até ao ano 2000, com frutos ao nível da liturgia, algumas apresentações para as familias no salão paroquial, com o envolvimento de outras professoras como Catarina Saraiva, Maria Gabriela Alves da Silva e Irmã Fernanda Tavares. No entanto, a dificuldade de renovação do grupo (que num coro de crianças ainda é mais premente do que num coro adulto) aconselhou a uma pausa.
O projecto foi retomado no ano 2005 pelo Coro de Santa Maria de Belém, que convidou para o dinamizar a Prof. Teresa Lancastre. Com dois ensaios semanais o grupo atingiu um bom nível musical e associou-se a outros coros para participar em espectáculos no CCB, na Igreja de S. Roque e até na Presidência da República. No entanto, o canto na liturgia revelou-se, uma vez mais, uma dificuldade, pois o máximo que se conseguiu foi uma participação mensal no ano 2008/09. Foi uma dificuldade trabalhar reportório para a liturgia (fizeram-se peças de Fauré, Rheinberger e algum canto gregoriano), foi uma dificuldade conseguir o compromisso dos pais em trazer as crianças nos dias agendados para a participação na missa e foi uma dificuldade conseguir que o projecto se auto-sustentasse. Na prática a mensalidade das crianças não chegava para pagar à professora e o coro tinha de recorrer aos seus parcos recursos para cobrir a diferença. Por tudo isto decidiu suspender o projecto no final do ano lectivo de 2008/09, longe de imaginar os acontecimentos que iriam precipitar o fim próprio do coro.
Todo este processo permitiu confirmar que:
• Os coros de pequenos cantores só têm futuro em contextos onde a música e a liturgia, por um lado, e, por outro, a participação das crianças na vida cultual da comunidade cristã são uma preocupação, uma realidade assumida com sentido de responsabilidade e honestidade, o que implica tempo, método e convergência de vontades. O resto é puro entretenimento e fogo de vista.
• Os coros de pequenos cantores devem ser confiados a quem reúna elevados conhecimentos musicais, pedagógicos e litúrgicos. É muito difícil encontrar pessoas que reúnam estes 3 atributos.
• O segredo dos pequenos cantores de sucesso é o ensino integrado. Em Inglaterra e noutros países os mais afamados coros de pequenos cantores vivem, estudam, brincam e cantam nas catedrais ou nos colégios, o seu dia a dia é altamente diversificado mas não dispersam a sua atenção entre actividades avulso, entre filas de trânsito ou em transportes. Há videos na internet que comprovam como se pode ter uma vida ‘normal’ nestes contextos, ser feliz e ter o privilégio de uma experiência destas. Os grandes músicos começaram pelos coros de pequenos cantores.

Última referência

Antepenúltimo post neste blogue, para a ultima referência a um evento do coro, uma nova participação, a 28 de Dezembro de 1999, no Espaço Das Sete Às Nove do Centro Cultural de Belém, para um concerto com o organista António Esteireiro.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Das Sete Às Nove

No rescaldo da liturgia dos Jerónimos o coro apresentou-se em concerto no dia 26 de Dezembro de 1997, no Bar terraço do Centro Cultural de Belém, na programação Das Sete Às Nove, com programa natalício.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Puer natus est nobis

Se a missa da noite era muito concorrida, também o era a do dia, embora um pouco menos, e nessa a assembleia assemelhava-se mais com a dos domingos. Sei de um casal que vivia no Dubay e que, ano sim ano não, marcavam presença interessada na Missa do Galo, mas depois já não tomavam parte na missa do dia.
Em termos de ‘figurino’, costumava dizer que a Missa da Noite era ao estilo austríaco e a do dia ao estilo romano. Com efeito, no lugar da missa clássica cantada na noite, a missa do dia veio a configurar-se basicamente em torno de antífonas gregorianas para a entrada e comunhão e de uma missa gregoriana alternada com polifonia nas partes do ordinário, e o Adeste Fideles na pós-comunhão.
O cansaço no coro era uma variável a não menosprezar e este programa permitia-nos apresentar uma proposta de qualidade sem o esforço da véspera. Ao fim ao cabo, foi o modelo para o qual convergiu a própria missa dos domingos do ano.
Para facilitar a participação da assembleia, o ordinário gregoriano escolhido era a conhecida Missa de Angelis, com as partes do coro harmonizadas por W. Menschik, D. Bartolucci e H.Schroeder. Mas o tom do dia era dado pelo maravilhoso intróito gregoriano, que conquistava o espaço da igreja como um bálsamo: Puer Natus est nobis.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Missa do Galo


Desde muito cedo que me apercebi da excepcionalidade das assembleias das missas de Natal, em particular da Missa da Meia Noite, vulgarmente conhecida como Missa do Galo.
Pelas 23h30 ainda não se via viva alma, mas à meia-noite a igreja ficava completamente cheia, de caras menos conhecidas que o habitual. E havia um dado curioso que era a baixa ou quase nula participação das pessoas através do canto.
Ainda tentei um ano ou dois perceber se, com um pequeno ensaio de assembleia, podia haver mais participação, mas sem nenhum resultado.
Foi então que, em 1994, convidei dois colegas para acrescentar ao programa habitual algo de diferente. Com a colaboração do soprano Ana Sêrro e do acompanhador Carlos Silva Pereira, foi possível dar a ouvir na Missa do Galo o Laudamus te da Missa de Santa Cecília de J.Haydn, e o coro apresentou com a sua ajuda o Ave verum corpus de W.A.Mozart e o Tollite hostias de Saint-Saens. No ano seguinte voltaram.
A ideia era ir um pouco ao encontro das expectativas de um ‘público’ que, não vindo à missa todas as semanas aos Jerónimos, voltava pelo menos no ano seguinte…
O soprano Ana Sêrro cantou ainda na Missa do Galo em 1997, com o organista António Duarte (Rejoice greatly do Messias, Alleluia do Exsultate jubilate de Mozart) e em 1998, com o organista António Esteireiro (Tu virginum corona do Exsultate jubilate e Laudate Dominum das Vesperae Solennes de Confessore).
O interesse das pessoas pela música na Missa da Meia Noite de Natal aumentou visivelmente.
No ano 2000, participaram nessa missa os Metais de Lisboa, que alternaram as intervenções corais com obras de Delalande e Gabrieli, mas a partir do ano seguinte enveredámos por uma linha assumidamente clássica.
Em 2001, cantámos na própria missa, com a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, a Missa Rorate Caeli de J. Haydn, uma obra muito simples e breve, mas com a ambiência pretendida. Em 2002, a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras voltou à Missa da Meia Noite de Natal, onde apresentámos a Missa em Sol de A. Caldara.
A partir deste ano, o coro apresentou-se com o Ensemble de Santa Maria de Belém, cantando nesta missa já tão destacada, a Missa de S. João de Deus de J. Haydn, em 2003, a Missa em Sol M K.49 de W.A.Mozart, em 2004 e 2005, a Spatzenmesse K.220, em 2006 e 2008, e a Missa em Ré M de F.X.Brixi em 2007.
Nestas missas cantaram-se outras obras natalícias para coro e ensemble instrumental como In nativitatem Domini canticum H. 314 de M.A. Charpentier, Christus natus est nobis de Henry du Mont, Hodie nobis coelorum Rex e Quem vidistis pastores de M.Haydn, Pastores loquebantur de Brixi, Verbum caro factum est de Carlos Seixas, Alegrem-se os céus e a terra com arranjo de E.Amorim.
Durante 3 ou 4 anos, tocou-se também o Concerto fatto per la notte di Natale op.6 n.8 de A.Corelli, arrumando os diversos andamentos em momentos precisos (antes da missa, ofertório, pós-comunhão e final). Outras peças instrumentais sempre à mão nestes dias eram as Sonatas da Epístola, de Mozart, que escolhíamos em função da tonalidade da missa cantada. Num ano fez-se o Concerto em Ré M n.8 para Órgão e Orquestra de Brixi.
Cantou-se também muitas vezes à entrada, sem qualquer acompanhamento, a antífona de vésperas gregoriana (Hodie Christus natus est) com que abre a Ceremony of Carols de Benjamin Britten, a última das vezes com uma dinâmica de repetição entre um solista no púlpito e um semi-coro feminino na capela mor. Foi no púlpito que situámos também nessa noite um trompetista, para a execução, juntamente com o coro, da comunhão In splendoribus sanctorum de James MacMillan.
Finalmente, de referir que se cantou ininterruptamente a partir de 2003, na comunhão, o Adeste fideles, na versão de David Willcocks. A ideia desta peça neste momento partiu de um CD com a Missa de Natal no Vaticano, onde ainda hoje continuam a cantar este hino, com harmonizações corais diferentes de estrofe para estrofe, mas, no nosso caso, impôs-se esta versão desde o Concerto de Reis que dedicámos aos Natais Populares da Tradição Europeia. Nunca mais, desde aí, se cantou em Belém outra versão da melodia do hino senão a inglesa (até pelas fortes correlações desta música com Inglaterra, onde é conhecido por Portuguese Hymn), e a versão de Willcocks, com o discante na penúltima estrofe e uma harmonia densa na última, passou-se a cantar nas missas de natal e, sempre que possível, como encore ao Concerto de Reis.
Tudo isto se fazia com baixas no coro pois no Natal há sempre muita mobilidade e alguns coralistas tinham, justamente, de se deslocar para estar com as suas famílias. Mas esta solução encontrada tinha também a virtualidade de poder incluir os solistas no coro, saindo este reforçado.
A Missa da Meia Noite de Natal nunca terminava muito antes das duas da manhã. E às onze horas, o coro já teria de estar a vocalizar e ensaiar para a missa solene do meio-dia, tendo pelo meio tudo o que as famílias habitualmente têm nestes dias. Mas a sensação que tínhamos depois desta missa era extraordinária e os ecos da assembleia muito reconfortantes, sendo habitual ouvir-se perguntar, nos dias antes do Natal, se a missa seria assim … como a do ano passado.
Olhando em retrospectiva para estas celebrações de Natal, é caso para dizer que foi obra! E para os que conheciam menos bem a actividade do coro e pudessem pensar que era mais um coro de concertos ou um coro de missas, os factos relatados comprovam que nem uma nem outra perspectiva estava correcta, pois o Coro de Santa Maria de Belém era um coro de igreja, i.e, não deixava de se apresentar em concerto sempre que tinha oportunidade de dar a conhecer reportório e assinalar a vivência dos tempos fortes para além do contexto litúrgico, mas tinha na liturgia o seu campo de acção fundamental, com particular atenção a toda a diversidade de celebrações ao longo do ano.
A todos os que seguem este blogue, os nossos votos de um Santo Natal.