domingo, 7 de fevereiro de 2010

O domingo


O domingo teve sempre uma importância fundamental para o coro, ou não tivesse sido fundado para a liturgia.
Não cabe aqui explicar a relevância do domingo na vida cultual e cultural da Igreja, mas, acredite quem está menos familiarizado com estas lides, que é de facto um desafio enorme, seguir domingo após domingo as temáticas das leituras, os cantos sugeridos pelo missal e as orações propostas para cada celebração; procurar reportório adequado às celebrações mas também à capacidade do coro e à natureza do espaço (acústica, histórico-cultural etc.); ensaia-lo e executá-lo com arte e com alma...
Ao longo do ano esta é verdadeiramente uma tarefa ao mesmo tempo apaixonante e extenuante, só viável para quem estiver tecnicamente apetrechado, fôr conhecedor das regras litúrgicas e acreditar efectivamente naquilo que celebra.
Em Belém, muitos domingos, mesmo os do Tempo Comum, eram tão festivos como os dias de festa.
Começou por se investir muito nos hinos de entrada em tríptico, com uma antífona a 4 vozes, para coro, um refrão em uníssono para a assembleia e estrofes a vozes para pequeno coro. Com músicas de Ferreira dos Santos, Fernando Lapa e Fernando Valente, na sua maioria, quase todos os intróitos do ano estavam assegurados.
As mesmas fontes musicais não eram tão abundantes em hinos de comunhão, mas o reportório para este momento ritual era também vasto e completado com motetos da música sacra histórica.
Também a aclamação antes do Evangelho foi sempre alvo de uma intervenção festiva, primeiro com codas polifónicas ao aleluia, depois com os júbilos melismáticos dos aleluias do Graduale Triplex.
Por fim, e era aí que estávamos agora, os ordinários gregorianos presentes durante todo o ano, como base acessível até na ausência do coro no período de férias, estavam gradualmente a ser substituídos por missas polifónicas.
O domingo era de tal forma importante que um cantor tinha de avisar com a antecedência de um mês se precisasse de se ausentar (quando lhe bastava avisar com uma semana a ausência a um ensaio). Mas, apesar de todas as justificações, havia sempre imprevistos e avisos de última hora de quem não podia comparecer, o que aumentava a tensão, pois os programas eram sempre exigentes e à hora da missa já estavam reproduzidas as folhas com que a assembleia seguia todo o reportório, com os refrães musicados das partes que lhe competia cantar e as letras do que o coro cantava (incluindo traduções dos textos latinos). Não havia portanto qualquer margem para mudanças de última hora.
Chegar aos Jerónimos na manhã de domingo era outra aventura. Havia quase sempre maratonas, paradas militares, feiras, festas e turistas, milhares de turistas fora e dentro da igreja. Entre o fim da missa das 10h30 e o início da das 12h a igreja enchia-se de grupos de visitantes, com os seus guias a falar alto, e mesmo durante a missa continuavam sempre a circular no sub-coro, marcando presença por uma cadência regular de flashes fotográficos.
Tantas vezes, uma antífona de entrada que demorara dias a ensaiar, se cantava sob o ruído da retirada dos turistas e face à ausência da assembleia retida à procura de estacionamento, à porta da igreja ou na esperança de que a missa começasse uma vez mais atrasada.
Era este o contexto. Mas, no fim da missa, quando o coro atravessava com as suas vestes corais o altar e integrava o cortejo de saída, quando chegava à sacristia e saudava a cruz juntamente com os outros ministros, quando era esperado pelos seus familiares, amigos e admiradores, sentia-se no focus da sua missão. Porque era domingo!

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