segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O primeiro lugar


O programa dos Estudos de Música incluia sempre uma celebração na Igreja dos Jerónimos, a cargo dos participantes e professores. Os cursos livres, por exemplo, terminavam cada fim de semana com uma missa ou umas vésperas na tarde de domigo.
A partir de 2006, os participantes dos workshops passaram a assegurar a missa solene, ao domingo às 12h, onde apresentavam a peça principal ou conjunto de peças mais relevante que trabalhavam durante o fim de semana.
Há um ano, a 1 de Fevereiro de 2009, a missa do meio dia contou assim com o coro dos participantes do 1º workshop de Iniciação ao Canto gregoriano, com a direcção da Prof. Maria Helena Pires de Matos, que apresentaram o próprio da missa desse domingo do Tempo Comum e a Missa XI.
Ao contrário do que fiz nos outros workshops, em que colaborava no coro, desta vez fui para a assembleia e fiquei a uma distância razoável (quase ao pé da porta lateral) do altar. Algumas pessoas costumavam dizer que o coro se ouvia muito ‘ao longe’ e eu não tinha oportunidade de dirigir o coro e ir para o meio da assembleia ver como soava. Também tinha algum receio, confesso, que a linha de reportório que seguia, onde abundava o canto gregoriano e a polifonia clássica (como aliás recomendam os documentos da Igreja) não interessasse às pessoas e estas não se envolvessem ou pudessem aborrecer-se.
Fiquei agradavelmente surpreendido por perceber que se ouvia bem. Ouvia-se de facto ‘ao longe’ porque a igreja é enorme, mas o que se ouvia conquistava o espaço e soava autêntico. Mas ainda fiquei mais agradado por perceber que as pessoas estavam atentas ao que se passava, procuravam seguir os textos (à minha frente uma criança com a avó partilhavam atentamente a folha com as traduções) e expressavam efectivamente uma participação activa, consciente e frutuosa.
Perto de mim estava um senhor que cantava muito baixinho durante as partes que não se destinavam à assembleia, como o introito e a comunhão. São peças muito elaboradas que, obviamente, ninguém consegue cantar da assembleia, em tempo real, com o coro. Mas aquela espécie de 'nota pedal' que o senhor murmurava transmitia espiritualidade e envolvimento.
Sim, era possível apostar nessa participação que não se pode confundir com activismo, e que não exclui naturalmente outro tipo de participação por gestos, palavras e cantos em que a assembleia não deve ser substituida por ninguém.
Outro ponto positivo foi ter-se cantado nessa missa um salmo do Graduale Simplex. Ao contrário dos elaborados graduais mais tardios, estas melodias primitivas respiram ainda daquela pureza das fontes e a sua cadência orante é acessível a qualquer um. Por isso propusemos e foi aceite que, a partir da Quaresma, se usassem estes salmos na missa solene, uma vez que tinham também um refrão, por sinal bem mais fácil que os dos habituais salmos em português.
Quanto ao papel do gregoriano numa igreja como os Jerónimos, não será demais dizer que é provavelmente a única música que resulta naquele espaço à primeira, pela sua dimensão, pela sua acústica e até pela sua história. Não será por isso demais conferir-lhe, em igualdade de circunstâncias e como estabelece o Concílio Vaticano II, o primeiro lugar.

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