sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O ensaio de domingo


Outra alteração implementada num dos últimos regressos após férias foi a mudança do ensaio de domingo para a sacristia.
O coro tinha dois ensaios semanais, à 2ª e à 5ª, à noite, no salão do secretariado paroquial. E era também aí que ensaiava aos domingos antes da missa. Mas, enquanto que os ensaios de semana eram momentos tranquilos, apesar de serem no fim de dias de trabalho, os de domingo, pelo contrário, eram bem stressantes.
Primeiro, porque os coralistas estavam mais descontraídos com as horas, depois porque cantar numa igreja como a dos Jerónimos era, mesmo depois de anos de habituação, algo que não podia deixar ninguém indiferente pela responsabilidade que representava.
A missa ao domingo era às 12 horas e nos primeiros anos o ensaio que a precedia era às 10h30.
Resultado: nunca chegava toda a gente a horas e um ensaio de manhã cuja função era basicamente ‘acordar’ as pessoas e sintonizá-las para uma tarefa comum, era constantemente interrompido pelo toque da campainha, e quem vinha mais tarde não chegava a vocalizar. Como acabava pelas 11h30, sobrava uma meia hora que as pessoas aproveitavam para ir tomar café.
Quem não saiba a confusão que Belém é a qualquer dia e a qualquer hora poderá achar tempo mais que suficiente, mas, na verdade, os turistas, as pessoas que saíam da missa anterior, as pessoas que vinham de ver a parada frente ao palácio, já para não falar dos dias em que havia maratonas, feiras e outros arraiais, enchiam por completo os cafés, e os coralistas chegavam à igreja sobre a hora.
A própria igreja era, entre o final de uma missa e o início de outra, um cenário de autêntica batalha campal, pois durante aquela meia hora de intervalo, as pessoas da missa anterior, ao sair, esbarravam em dezenas de grupos de turismo que se acotovelavam à porta esperando sinal para entrar; os guias entravam em competição puxando os seus grupos para os lugares de melhor visibilidade, onde faziam explicações alto e bom som; as pessoas que chegavam à igreja para a missa das 12h encontravam aquele alarido sem terem uma pedra onde reclinar a cabeça e recolher-se por uns minutos; eram feitos avisos aos microfones; rezado o Angelus e a missa começava quase sempre atrasada.
Por tudo isto a entrada do coro na igreja e na celebração era feita, invariavelmente em ponto de tensão e os primeiros minutos, que é como quem diz o intróito e o Kyrie, eram para adaptação.
Poucas melhorias vi neste cenário e já só nos últimos meses antes de sair consegui que fechassem a porta lateral no início da celebração e não no início da homilia, pois esta espalhava pela igreja a luz incandescente da Praça do Império e o reboliço do exterior.
Por tudo isto decidi mudar o ensaio de domingo para a sacristia. Decidi, é claro, não sem antes obter a necessária concordância e autorização do Pároco, como aliás fiz com a dispensa dos microfones ou todas as medidas que tinham mais impacto.
Lembrava-me da primeira vez que fora a Londres, em 1992, ter visto o coro da Catedral de S. Paulo a ensaiar antes da celebração, na própria igreja, já com as vestes corais, enquanto os turistas circulavam ainda, antes de serem convidados a participar na celebração ou a sair. E esse acontecimento, num simples dia de semana de Dezembro em que às 4 horas da tarde já é noite, foi um acontecimento marcante, porque ilustrava o esmero posto na preparação de uma celebração, numa palavra, o valor que as coisas tinham, a música e a celebração.
Nessa linha, passámos a ensaiar às 11h na sacristia (já de cafés tomados) e, pelas 11h40, íamos à igreja ensaiar uns minutos.
Vantagens:
- a sacristia tinha uma acústica agradável, que preparava bem o coro para a transição para a igreja, estimulava o efeito de conjunto e obrigava cada um a dar a sua parte, sem esperar ajudas;
- o coro vestia-se no mesmo espaço onde chegava com chapéus, sacos e casacos, ficando livre e disponível para se concentrar na tarefa de cantar até ao fim da missa (até aí, tinha de passar pela rua entre o ensaio e a missa, o que era particularmente desagradável no Inverno;
- o ensaio na igreja era aproveitado para as ligações mais importantes com o órgão, servia para ‘acordar’ também o organista e pôr o conjunto em sintonia de andamentos, volumes e atitudes;
- finalmente, o coro em ensaio na igreja entrava em interacção com os turistas, o coro preparava-se melhor para as dificuldades, e os turistas faziam menos barulho e mostravam muito interesse pelo que se estava a passar.
Desvantagens:
- antes de ser uma sala de ensaio a sacristia era, precisamente, isso mesmo, uma sacristia, pelo que a convivência dos ensaios com a preparação das missas e todo o movimento de cumprimentos que sempre rodeia os ministros da liturgia não era fácil de gerir, e fazia-nos reconhecer como estes avaliavam tão mal o o esforço de concentração e de envolvimento que o trabalho de um coro implica.
Mas as vantagens eram claramente superiores e a mudança valeu a pena.

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