quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Há 20 anos atrás

Já aqui se escreveu sobre a importância da missa de domingo na vida do Coro de Santa Maria de Belém, uma importância crucial e estruturante em toda a sua actividade. Com efeito, mais do que o reportório que o coro conseguiu ler, montar e apresentar, relevamos o facto de ter apresentado a quase totalidade desse reportório, com excepção das peças exclusivamente de concerto, no próprio contexto da liturgia. Por detrás desta realidade esteve uma visão da música litúrgica e do papel dos coros em que não se concentram esforços para concertos mais ou menos regulares, como maior ou menor aparato, e se relega depois para a liturgia o resto, o que implica menos meios, menos esforço e menos empenho. Neste coro a ordem de prioridades era, de facto, primeiro a liturgia e depois os concertos. Aliás, procurava-se que os concertos fossem enquadrados pela própria cadência da liturgia, valorizando os tempos fortes do calendário, e assim surgissem como um reforço pedagógico e uma ressonância da própria celebração litúrgica. Infelizmente essa não é uma prática generalizada, pois, não havendo muitos concertos, sempre é possível assistir a alguns e ouvir reportório sacro por amadores e por profissionais, mas o que nos é dado a ouvir nas nossas Igrejas é bem revelador do pouco que entrega à função da Música Sacra, que é a Glória de Deus e a santificação dos fiéis. A glória de Deus parece esquecida e a santificação dos fiéis foi trocada pela satisfação dos fiéis, sendo que a satisfação está sujeita às contingências do gosto, da moda, das modas, que agradam a uns e não a outros e, acima de tudo, nada têm a ver com a perenidade. Nos concertos ainda encontramos amadores e profissionais, e a grande música está em geral a cargo dos profissionais, mas na liturgia quase não há profissionais, nem em regime de voluntariado. E há também, dentro dos poucos profissionais que encontramos, pouco enquadramento da sua actividade, que resulta por vezes em actividade atípica, pouco rentabilizada. Vem tudo isto a propósito de passar hoje 20 anos sobre a primeira missa do coro nos Jerónimos, a primeira de centenas, invariavelmente aos domingos ao meio dia e noutras celebrações festivas, como o Natal, Tríduo Pascal e os feriados santos. Ao fim de um mês e pouco de ensaios com o grupo embrionário, apresentava-se um grupo modesto mas que viria a demonstrar a sua dedicação, a sua capacidade de trabalho e persistência na acção e nos valores, a toda a prova. Um grupo capaz de se adaptar à mudança mas fiel a valores inegociáveis, como ilustra de forma determinante o fim do coro.
Também a 2 de Dezembro, mas em 2006, o coro apresentou-se em concerto na Igreja de S. Roque, na Temporada Música em S. Roque, com um programa dedicado aos aniversários de Mozart e Michael Haydn, num formato de coro & ensemble. Deste evento destaca-se o agrado que o programa suscitou no vasto público que enchia por completo a igreja, como nota positiva, e, noutro registo, o facto de um dos violinistas ter vindo a falecer poucos dias depois do concerto. Aqui lhe prestamos uma homenagem sincera.
Há 20 anos atrás, impelia-nos o idealismo de quem acredita que é possível fazer diferente, de quem não se resigna a ver apenas o que se passa lá fora, como algo inatingível aqui, mas quer o melhor também para a sua terra. Hoje, acautela-nos o realismo de quem chega à conclusão que não basta querer, pois é preciso que os outros também queiram, ou sintam a uma mínima mas genuína vontade (necessidade?) de mudança.

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