sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Missa do Galo


Desde muito cedo que me apercebi da excepcionalidade das assembleias das missas de Natal, em particular da Missa da Meia Noite, vulgarmente conhecida como Missa do Galo.
Pelas 23h30 ainda não se via viva alma, mas à meia-noite a igreja ficava completamente cheia, de caras menos conhecidas que o habitual. E havia um dado curioso que era a baixa ou quase nula participação das pessoas através do canto.
Ainda tentei um ano ou dois perceber se, com um pequeno ensaio de assembleia, podia haver mais participação, mas sem nenhum resultado.
Foi então que, em 1994, convidei dois colegas para acrescentar ao programa habitual algo de diferente. Com a colaboração do soprano Ana Sêrro e do acompanhador Carlos Silva Pereira, foi possível dar a ouvir na Missa do Galo o Laudamus te da Missa de Santa Cecília de J.Haydn, e o coro apresentou com a sua ajuda o Ave verum corpus de W.A.Mozart e o Tollite hostias de Saint-Saens. No ano seguinte voltaram.
A ideia era ir um pouco ao encontro das expectativas de um ‘público’ que, não vindo à missa todas as semanas aos Jerónimos, voltava pelo menos no ano seguinte…
O soprano Ana Sêrro cantou ainda na Missa do Galo em 1997, com o organista António Duarte (Rejoice greatly do Messias, Alleluia do Exsultate jubilate de Mozart) e em 1998, com o organista António Esteireiro (Tu virginum corona do Exsultate jubilate e Laudate Dominum das Vesperae Solennes de Confessore).
O interesse das pessoas pela música na Missa da Meia Noite de Natal aumentou visivelmente.
No ano 2000, participaram nessa missa os Metais de Lisboa, que alternaram as intervenções corais com obras de Delalande e Gabrieli, mas a partir do ano seguinte enveredámos por uma linha assumidamente clássica.
Em 2001, cantámos na própria missa, com a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, a Missa Rorate Caeli de J. Haydn, uma obra muito simples e breve, mas com a ambiência pretendida. Em 2002, a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras voltou à Missa da Meia Noite de Natal, onde apresentámos a Missa em Sol de A. Caldara.
A partir deste ano, o coro apresentou-se com o Ensemble de Santa Maria de Belém, cantando nesta missa já tão destacada, a Missa de S. João de Deus de J. Haydn, em 2003, a Missa em Sol M K.49 de W.A.Mozart, em 2004 e 2005, a Spatzenmesse K.220, em 2006 e 2008, e a Missa em Ré M de F.X.Brixi em 2007.
Nestas missas cantaram-se outras obras natalícias para coro e ensemble instrumental como In nativitatem Domini canticum H. 314 de M.A. Charpentier, Christus natus est nobis de Henry du Mont, Hodie nobis coelorum Rex e Quem vidistis pastores de M.Haydn, Pastores loquebantur de Brixi, Verbum caro factum est de Carlos Seixas, Alegrem-se os céus e a terra com arranjo de E.Amorim.
Durante 3 ou 4 anos, tocou-se também o Concerto fatto per la notte di Natale op.6 n.8 de A.Corelli, arrumando os diversos andamentos em momentos precisos (antes da missa, ofertório, pós-comunhão e final). Outras peças instrumentais sempre à mão nestes dias eram as Sonatas da Epístola, de Mozart, que escolhíamos em função da tonalidade da missa cantada. Num ano fez-se o Concerto em Ré M n.8 para Órgão e Orquestra de Brixi.
Cantou-se também muitas vezes à entrada, sem qualquer acompanhamento, a antífona de vésperas gregoriana (Hodie Christus natus est) com que abre a Ceremony of Carols de Benjamin Britten, a última das vezes com uma dinâmica de repetição entre um solista no púlpito e um semi-coro feminino na capela mor. Foi no púlpito que situámos também nessa noite um trompetista, para a execução, juntamente com o coro, da comunhão In splendoribus sanctorum de James MacMillan.
Finalmente, de referir que se cantou ininterruptamente a partir de 2003, na comunhão, o Adeste fideles, na versão de David Willcocks. A ideia desta peça neste momento partiu de um CD com a Missa de Natal no Vaticano, onde ainda hoje continuam a cantar este hino, com harmonizações corais diferentes de estrofe para estrofe, mas, no nosso caso, impôs-se esta versão desde o Concerto de Reis que dedicámos aos Natais Populares da Tradição Europeia. Nunca mais, desde aí, se cantou em Belém outra versão da melodia do hino senão a inglesa (até pelas fortes correlações desta música com Inglaterra, onde é conhecido por Portuguese Hymn), e a versão de Willcocks, com o discante na penúltima estrofe e uma harmonia densa na última, passou-se a cantar nas missas de natal e, sempre que possível, como encore ao Concerto de Reis.
Tudo isto se fazia com baixas no coro pois no Natal há sempre muita mobilidade e alguns coralistas tinham, justamente, de se deslocar para estar com as suas famílias. Mas esta solução encontrada tinha também a virtualidade de poder incluir os solistas no coro, saindo este reforçado.
A Missa da Meia Noite de Natal nunca terminava muito antes das duas da manhã. E às onze horas, o coro já teria de estar a vocalizar e ensaiar para a missa solene do meio-dia, tendo pelo meio tudo o que as famílias habitualmente têm nestes dias. Mas a sensação que tínhamos depois desta missa era extraordinária e os ecos da assembleia muito reconfortantes, sendo habitual ouvir-se perguntar, nos dias antes do Natal, se a missa seria assim … como a do ano passado.
Olhando em retrospectiva para estas celebrações de Natal, é caso para dizer que foi obra! E para os que conheciam menos bem a actividade do coro e pudessem pensar que era mais um coro de concertos ou um coro de missas, os factos relatados comprovam que nem uma nem outra perspectiva estava correcta, pois o Coro de Santa Maria de Belém era um coro de igreja, i.e, não deixava de se apresentar em concerto sempre que tinha oportunidade de dar a conhecer reportório e assinalar a vivência dos tempos fortes para além do contexto litúrgico, mas tinha na liturgia o seu campo de acção fundamental, com particular atenção a toda a diversidade de celebrações ao longo do ano.
A todos os que seguem este blogue, os nossos votos de um Santo Natal.

1 comentário:

  1. Faltam-me as palavras para poder descrever o que foi, para mim, celebrar o Natal, enquanto membro do CSMB.
    A Beleza do mistério que celebrávamos e a beleza da música que cantávamos conciliavam-se de forma intensa e harmoniosa.
    Dou graças a Deus!
    Um Santo Natal!

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