quinta-feira, 6 de maio de 2010

Ainda Fátima

Tem-se escrito neste blogue não apenas do Coro de Santa Maria de Belém, mas também de pessoas, instituições e contextos que influenciaram a identidade do coro e a sua prática. Por isso voltamos a Fátima, a pretexto de uma peregrinação paroquial em que o coro se integrou em 5 de maio de 2000, para enunciar duas notas importantes.
A primeira para dizer que foi em Fátima, nas grandes celebrações dominicais do recinto, que ouvi cantar pela primeira vez a Missa de Angelis e percebi o sentido dessa opção face à dimensão internacional do local. Contactei depois muitas outras igrejas com ofertas musicais sofisticadas, ao nível do canto gregoriano, da polifonia e da música orquestral, mas ficou a ideia de que numa igreja com um mínimo de afluência de fiéis não necessariamente residentes, e em atenção especial aos estrangeiros, era forçoso ter um reportório universal mínimo, e a Missa de Angelis, que de gregoriano propriamente dito tem apenas o Sanctus, cumpria e cumpre perfeitamente esse requisito.
A outra nota, já não relacionada com o santuário em si mas com os encontros nacionais de liturgia, para referir que foi em Fátima também que assentei na ideia de não cantar ao ofertório e à saída da missa.
Ao ofertório, mais correctamente chamado rito da apresentação dos dons, porque não está previsto qualquer cântico específico e a haver cântico deve ser apenas para sublinhar a procissão das oferendas, quando esta é realizada. Nos anos 70 estiveram muito na moda os canticos de ofertório, que enfatizavam a oferta dos dons, dos nossos sacrifícios, das nossas orações. Ora, nesse sentido, toda a missa é um momento de entrega e o ofertório em especial não é um intervalo entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística onde cantamos o que não cabe nos outros ritos, incluindo cânticos marianos, etc. Quando à saída, foi em Fátima que ouvi repetidas vezes afirmar aos liturgistas que, despedida a assembleia (Ide em paz), não faz qualquer sentido voltar a pedir-lhe que cante ou escute mais um texto. Excepção para um ou outro dia especial para a comunidade.
A grande vantagem desta opção foi a aposta numa celebração não sobrelotada de palavras. A liturgia tem a palavra proclamada, tem todos os textos rituais, pelo que a música, quando não constitui ela própria um rito ( gloria, sanctus etc), mas acompanha ritos, não deve ser um elemento de dispersão, bastando recorrer aos textos previstos nas antífonas ou outros equivalentes.
Se aqui se escreve isto é porque, efectivamente, foi introduzida esta prática na Igreja dos Jerónimos, há 20 anos, e na intervenção do Coro de Santa Maria de Belém em particular. A Missa de Angelis, constituiu, juntamente com outras missas gregorianas conhecidas, uma base presente ao longo de todo o ano litúrgico, assegurando a dimensão internacional, na chamada missa solene, em que o coro cantava. Quanto à ausência de canto no ofertório e na saída, também foi um traço dominante, constituindo uma oportunidade de valorizar a música instrumental, por exemplo (inclusivé com meditações instrumentais sobre os salmos), de valorizar a importância do silêncio na Quaresma, e de promover celebrações equilibradas, onde a palavra tinha o seu lugar, a sua função e o seu efeito.

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