domingo, 2 de maio de 2010

Boletim de Música Litúrgica


O reportório é uma boa parte da identidade de um coro. No caso do Coro de Santa Maria de Belém o reportório era 100% de música religiosa e desses 100%, mais de 80% era música litúrgica. Dito de outra forma, exceptuando os oratórios e outras peças de temática religiosa não compostas expressamente para celebrações litúrgicas, tudo o resto (a esmagadora maioria) era música sobre textos da e para a liturgia. Textos do Ordinário (Kyrie, Gloria, Sanctus…) e do Próprio (Antífonas de Entrada, Comunhão…), para usar uma nomenclatura generalizada, embora não consensual. Na música liturgica enquadrámos pois não só a música composta nos nossos dias para a Missa e outras celebrações, mas a dita música sacra histórica, como o canto gregoriano e a polifonia, porque entendemos que ela tem lugar na liturgia dos nossos dias, tal como expressamente recomendou o Concílio Vaticano II.
Hoje é fácil associar o Coro de Santa Maria de Belém à música sacra histórica, que muitos afirmam ser música de concertos, porque o coro teve, de facto, a coragem de a trazer de volta para a liturgia, na qual participou semanalmente durante quase 20 anos. Ou por causa do latim ou por causa do canto a vozes ou por causa de qualquer outro pretexto houve reacções negativas no início e porventura continuou a haver quem não gostasse. Como também houve críticos do latim que depois o vieram a adoptar, como vieram a adoptar desta música a que lhes foi mais acessível ou agradável, pouco importa. O que importa é referir aqui que este coro em particular investiu muito no canto em português e no canto especificamente composto para coro.
Com a preocupação de cobrir o ano litúrgico com peças musicais sobre a maior parte das antífonas de entrada e também sobre as de comunhão, o coro pesquisou, ensaiou e cantou dezenas de antífonas, na sua maioria a quatro vozes mistas. E o modelo que procurou desenvolver foi a dos hinos em triptico, geralmente com uma Antífona para Coro (sobre o texto do Missal), um Refrão (destinado à Assembleia) e versos para Pequeno Coro (em forma salmódica ou estrófica) sobre o texto de um salmo ou paráfrase de outro texto bíblico.
O reportório do coro foi procurado em muitas lojas de partituras da Europa Central e do Norte, em períodos de férias, e também, nos anos mais recentes, pela Internet, directamente nas páginas das editoras. Mas o reportório em português e, em especial, os ditos hinos de entrada e comunhão vieram todos, ou quase todos, do Boletim de Música Litúrgica, editado pelo Serviço Diocesano de Música Litúrgica do Porto.
Durante muitos anos, esta foi a fonte de hinos do Pe. Ferreira dos Santos, Director do Boletim e responsável por grande parte da dinamização da Música Sacra no Porto a partir dos anos 70, mas também de compositores excelentes como Fernando Lapa e Fernando Valente, que nos faziam aproximar das ambiências harmónicas de alguns anthems ingleses. Sim, era possível almejar uma música coral em português. Coral porque os coros não têm que cantar o que tem de ser cantado pelas assembleias (ter um coro para cantar o canto da assembleia é como pôr um trompete a duplicar a voz de soprano de um coro…). Em português porque a língua não tem nada que ser uma barreira a uma linguagem e a uma estética litúrgica e é desejável ter tão boa música em vernáculo como em latim.
O boletim já não se publica. Parou no nº 162 porque, no dizer dos seus autores, era difícil manter as publicação a tempo e horas e o modelo estava já esgotado.
Mas da nossa parte era indispensável fazer referência a esta ‘companhia’ do boletim, onde bebemos não só uma grande parte do reportório cantado nas missas mas muitas orientações sobre pastoral litúrgica, ou melhor, pastoral de música litúrgica (história e sentido dos diferentes ritos e das formas musicais tradicionalmente a eles associadas, música e tempos litúrgicos, sacramentos etc.). A todos os que para ele trabalharam um grande obrigado. Sem esse trabalho, este coro não teria sido o que foi.

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