domingo, 6 de junho de 2010

Angariação de fundos


O Coro de Santa Maria de Belém era uma entidade sem fins lucrativos. Mesmo antes de se constituir como associação, a sua actividade base não implicava particulares gastos, nem proveitos materiais. O coro cantou quase 20 anos todos domingos e dias santos sem que qualquer coralista ou o maestro recebessem um euro.
No entanto, algumas actividades em particular, como os concertos de reis ou as digressões, tinham custos bastante elevados para um grupo totalmente voluntário.
Foi por isso que decidimos constituir a associação e também foi por isso que empreendemos em inúmeras iniciativas de angariação de fundos, que foram muito além da actividade do coro.
Para pagar aos solistas e instrumentistas dos concertos, o coro batia à porta de inúmeras empresas, mas os apoios que conseguia obter não chegavam nem de perto nem de longe para cobrir as despesas. A sua única actividade ‘remunerada’ eram os casamentos (já aqui se disse que foram muito poucos ao longo dos anos) e alguns concertos organizados por outras entidades que previam algum cachet. Mesmo esses resumiam-se, a maior parte das vezes, a ajudas de custo, ou apoios em género como transportes cedidos pelas autarquias.
E era por isso que, para cobrir as diferenças entre custos e receitas, fazíamos tudo e mais alguma coisa. Primeiro, começávamos por nos quotizar, ou seja, as pessoas que todo o ano ofereciam 2 serões por semana e a manhã de domingo para cantar reportório de qualidade na liturgia, ainda pagavam quotas! Quotas que davam apenas para um fundo de maneio.
A seguir vinham as campanhas…
Para as digressões organizaram-se bazares de Natal, rifas, vendas de vinhos e livros antigos, velharias, bolos etc, e era ver os coralistas a chegarem aos ensaios com malas carregadas de livros usados, cds, vinhos ou a mostrarem os seus dotes culinários no dia da mãe.
Até para o órgão a intervenção do coro foi determinante.
Primeiro foi o órgão electrónico, pois quando o coro começou os Jerónimos tinham apenas um pequeno sintetizador. O Prior de então pôs livros à venda (encíclicas do Papa e outros documentos mais antigos) e deu ao coro uma comissão (apenas uma comissão) para o órgão. As pessoas encheram os porta bagagens dos carros com papéis e outras coisas que venderam ao peso ara arranjar dinheiro.
Em 96 veio o projecto do órgão de tubos, que o coro desencadeou tal como desencadeou os Amigos do Órgão, que se quotizaram e pagaram anos a fio para o Grande Órgão de Tubos da Igreja dos Jerónimos. Os seus coralistas fizeram escalas à porta da igreja, nas várias missas de fim de semana, para recolher o valor das quotas, e, mesmo quando se percebeu que o grande órgão não viria, ficou sempre alguém, quase até ao último dia, para receber a verba que seria a fatia substancial do órgão que lá está agora.
Nesta frente pouco visível da actividade do coro estiveram todos os seus membros, que aderiram ao que se lhes propôs e empreenderam tempo, dinheiro e os seus bens, mas destacam-se duas pessoas, a Emília Alves da Silva, que organizou a maioria das iniciativas de angariação de fundos, e a Conceição Serejo, que esteve presente em todas elas, mesmo nos momentos em que a saúde lhe faltava.
De facto, a São, como lhe chamamos, esteve sempre disponível para escrever as cartas, telefonar às empresas, ir buscar os géneros que nos ofereciam, abrir e fechar portas, encontrar-se com esta e ou aquela pessoa e, sobretudo, foi ela que esteve sempre ‘no posto’, à porta da Igreja, ao calor e ao frio, para que as quotas dos Amigos do Órgão fossem recebidas, foi ela que assegurou a contabilidade desse projecto, as declarações para o IRS, enfim, a maior parte do trabalho pouco agradável e pouco visível.
Ao contrário do que alguém possa pensar, por estar mal informado, o coro de Belém nunca teve todas as comodidades, caídas do céu, antes lutou e trabalhou quando estava convicto de que isso era necessário para o bem de todos. Se foi possível apresentar-se com vestes litúrgicas ou vestes de concerto, apresentar um oratório de Haendel ou convidar uma orquestra de renome, cantar na Catedral de Westminster em Londres ou para o Papa em Roma, isso só aconteceu porque trabalhou e se empenhou arduamente.
E se hoje os Jerónimos têm um órgão de tubos, de um bom organeiro – não aquele com que se sonhou nem aquele que mais conviria à intervenção do coro tal como esta se fazia -, isso deve-se ao empenho de várias pessoas. Mas uma coisa é certa: corta fitas à parte, hoje aquele órgão não estaria lá se não tivesse existido o Coro de Santa Maria de Belém. Por isso a sua identidade não ficou à venda nem ao desbarato, quando os associados decidiram não prosseguir com a associação, pois a um nome corresponde uma realidade, uma entidade, uma forma de estar coerente e consequente.
Para fazer de conta, sempre temos quem nos entretenha.

2 comentários:

  1. Ao ler hoje esta página recordei com ternura e comoção este nosso percurso no Coro de Santa Maria de Belém.
    Estou muito grata, Fernando, por todos os desafios que me lançaste ao longo deste tempo. Trabalhar contigo foi uma experiência fantástica, que deu sentido à minha vida. Os objectivos que te impunhas e nos propunhas apontavam sempre para muito alto e, por isso, fizemos coisas maravilhosas.
    Não posso deixar de referir como foi importante para mim o modo como pude viver a liturgia. A beleza do espaço e da música transportavam-me para Deus.
    Bem-hajas por tudo, porque sem ti nada disto teria acontecido.
    Beijinhos.

    Conceição Serejo (São)

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  2. Quando conheci o Coro Santa Maria de Belém, impressionou-me a sua presença na Litúrgia. Como não temos em Portugal modelos semelhantes, pode causar alguma estranheza; mas se conhecer-mos mais a fundo as orientações da Igreja e exemplos como Westminster, é fácil de compreender.
    Como não vivo em Lisboa, a minha presença nas Missas do Jerónimos era reduzida. Porém, sempre que possível, gosto de me deslocar àquele Templo cuja beleza nos leva ao encontro com Deus.
    Foi assim, de forma natural, que me interessei pelo estílo distinto do Coro. É com agrado que acompanho este blog, que nos põe a par daquilo que não era visível para quem está de fora.
    É certo que uma instituição como estas, para adquirir o seu dinamismo teve por de trás toda esta comunhão de esforços e vontades.
    Continuarei a acompanhar com interesse o trabalho que o coro progressivamente desenvolveu ao longo dos 19 anos, uma vez que o meu acompanhamento foi apenas nos últimos anos.
    Propunha, até, que nos recordassem todo o reportório do coro (antes visível no site) para se ter uma real imagem da qualidade, critérios e dimensão que o coro conseguiu. Pena termos tão pouca discografia, mas que vale pela excelência.
    Em Belém se cantava com arte e com alma...!

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