domingo, 18 de julho de 2010

Cantata popular na FIL


Em bom rigor, não conheci o Cón. Ferreira dos Santos em Fátima mas em Lisboa, sensivelmente pelo final da década de oitenta. Simplesmente não associei logo os dois contextos em que o vi nas primeiras vezes.
Através de uma antiga coralista que cantava em Belém muito antes do coro existir, e cantava também no Coro de Lisboa da Rádio Renascença, com o qual, aliás, passei umas férias corais, assisti nos Jerónimos e na Aula Magna, não me lembro por que ordem, a uma grande cantata em honra de Sílvia Cardoso. Retive o impacto impressivo da grande massa coral, constituída por vários coros, da Banda da PSP, e da música em si. Tive acesso à partitura coral e ainda hoje consigo cantar de cor algumas melodias. O autor da obra e o maestro era o Pe. Ferreira dos Santos.
Quando já o conhecia bem, dos encontros de Fátima, assisti a outra cantata da sua autoria, em honra de Mons. Alves Brás, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus. A mesma linguagem, a lembrar as cantatas de Britten, mas, com a devida distância, com um carácter popular, na expressão do próprio autor.
Por isso fiquei com grande entusiasmo quando em 1999 bateu à porta o convite para o Coro de Santa Maria de Belém participar numa nova apresentação dessa cantata, intitulada “Mãos ao trabalho, coração em Deus” no âmbito do Centenário do nascimento de Mons.Alves Brás. A peça tinha sido substancialmente modificada, na componente instrumental, e a apresentação seria na Antiga FIL da Junqueira dia 18 de Julho, no Auditório do Centro de Congressos de Lisboa, em colaboração com vários coros, sob a direcção de Ferreira dos Santos.
Esse entusiasmo vinha da experiência de assistir às cantatas referidas, mas, não menos, do peso que Ferreira dos Santos tinha no reportório do coro e da influência da sua figura na minha visão da música litúrgica, que procurava imprimir ao trabalho em Belém.
Mas não foi uma experiência nada gratificante. A organização apresentou imensas deficiências: os ensaios de conjunto foram escassos, os primeiros até no grande pavilhão da FIL, com uma acústica impensável para esta função, a logística foi uma descoordenação, com instrumentos a circularem nas instalações da FIL com grande atraso, e no ensaio geral a obra estava tudo menos pronta. Foi preciso inclusivamente atrasar a hora do concerto, com o público à espera, para fazer a apresentação possível, nestas condições.
Ficou um amargo de boca não ter podido mostrar ao coro outro Ferreira dos Santos que não a pessoa tensa e preocupada, a quem pediram um trabalho difícil mas não proporcionaram as condições mínimas. Em todo o caso vieram depois convites para apresentações individuais do coro, de sua iniciativa, e, ainda há um ano ele me dizia, «tenho de escrever uma obra para o teu coro!», do qual tinha a melhor impressão e esperança.
A última coisa que o Cón. Ferreira dos Santos deixa de fazer, quando é obrigado a reduzir a sua actividade, é compôr. O resultado é mais de um milhar de cânticos para a Liturgia, os últimos compilados em 3 volumes de salmos e cânticos evangélicos para as laudes e as vésperas de domingo, sob o título Canto Perene, com melodias arrojadas e ambiências inusitadas.
Há quem se refira à sua obra litúrgica como uma obra demasiado directa, tonal, polifónica, não reparando talvez que ele seguiu uma abordagem diferente para a missa e para a Liturgia das horas, e também uma adequação às circunstâncias de cada encomenda (aos efectivos disponíveis, etc). As observações facilitistas sobre o seu trabalho, que descuram esta distinção entre um reportório mais coral para a missa e um mais monódico para o ofício, são, por isso, semelhantes às críticas que fazem dos escritores aqueles que não leram as suas obras, ou dos cineastas os que não viram os seus filmes.
A acrescentar a esta militante escrita musical litúrgica, o Cón.Ferreira dos Santos empreendeu então em várias obras corais sinfónicas para ocasiões festivas, como é o caso do Requiem à Memória do Infante D. Henrique (o 1º requiem coral sinfónico em português, apresentado na Batalha na presença das mais altas autoridades do Estado), e as cantatas populares As Obras de Misericórdia, A Criação, o Bom Pastor, S. João de Deus, o Paraíso…
Uma vez disse-me, despudoradamente, que 90% da música que se compõe para a Liturgia será esquecida com o tempo. Espero que uma boa parte do seu trabalho possa perdurar um pouco mais, mas receio bem que o seu prognóstico esteja certo.

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