quinta-feira, 29 de julho de 2010

Na véspera da digressão


No dia 29 de Julho de 2009 o coro teve o seu último ensaio antes da Digressão a Inglaterra, e, como em todos os últimos ensaios antes das saídas, foi altura de verificar que nada faltava: os célebres caderninhos com o programa ao detalhe feitos pelo Miguel (capa na imagem), com indicações de reportório, horas de estar, sair, chegar, mudar de roupa, mapas, indicações turísticas etc; as capas, as partituras, os cds para vender, os programas para distribuir, as roupas para as celebrações, as roupas para os concertos, as oferta para os anfitriões, etc.
Para trás ficavam meses de preparação, na reserva dos lugares e eventos, avião, autocarros, alojamento, refeições dos coralistas, acompanhantes...
Devo referir que os locais onde cantámos, sobretudo nas celebrações, nos forneceram com meses de antecedência guiões exaustivos sobre as celebrações e o tempo de preparação, com indicações tão precisas como a que porta estar, quem nos recebe, onde nos encaminha, quantos minutos tem o ensaio e em que sala decorre, quantos minutos temos para ir à igreja fazer o ensaio de colocação, a que horas virá o celebrante ensaiar com o coro os diálogos que temos de cantar com ele, quando e onde vestir, ensaios das procissões de entrada e saída pelo mestre de cerimónias. Recebemos também atempadamente as folhas que são distribuídas à assembleia, com os textos e traduções do que o coro canta, as músicas do que a assembleia deve cantar etc.
Enfim, uma sociedade evoluída e organizada.
E esse era o ponto: cantar em Inglaterra é, parece-me, o maior desafio que um coro não inglês, e, em especial, um coro de um país latino (periférico...) pode enfrentar. Isto porque em Inglaterra há diariamente boa música em todo o lado, nas igrejas, nas salas de concerto, por toda a parte. E o panorama das igrejas é, de facto, um panorama de alto nível, onde a música não é um elemento decorativo que tanto se pode ter como não ter, ou ter de má qualidade. A música está no centro da acção celebrativa, e o caso mais paradigmático é o das evensong, onde o coro canta frente a frente, num cadeiral, rodeado de assembleia, também disposta frente a frente. Canta salmos intimistas ou de revolta com a assembleia atenta ali a um passo, a qual transporta para as ambiências bíblicas onde havia, como no nosso tempo, guerra e paz, confiança e desespero.
Então e a assembleia, fica só a ver e a ouvir? Fica sobretudo a participar ouvindo, mas se for o caso (num domingo ou dia de festa) lá tem o seu hino que no fim todos cantam como cá não se canta o hino nacional, porque cantar lhes é natural e não uma habilidade para alguns amestrados. Cantar é natural, como é natural que alguns dediquem ao canto a sua vida profissional e nas igrejas se ofereça o que de melhor se pode fazer, os coros as grandes peças, a assembleia os seus corais, com não menor convicção.
Isto fez com que, para além de toda a preparação musical, que não foi pouca, e que implicou um substancial reforço do coro para cantar em espaços tão grandes e nesta logística específica, tivéssemos ensaiado a pensar nestes contextos em concreto. Já há muito tempo que o coro ensaiava dividido em dois semi-coros, mas nem sempre havia equilíbrio para ter 2xSATB. Agora, porém, e nos ensaios com reforços, cantávamos em duas metades de 4 vozes cada, a uma distância razoável, tentando recordar a que distância estariam os bancos do cadeiral da gigantesca catedral de S. Paulo, medidos a passos, a partir das imagens da internet e da memória. Este último ensaio foi, por estas razões, na própria igreja dos Jerónimos, e não na sala habitual de ensaio, pois assim poderiamos aproximar-nos da escala, da complexidade acústica e da logística de S. Paulo.
Foram fornecidas também aos coralistas cópias de boas gravações das peças que se iriam cantar, sobretudo das mais ligadas ao contexto específico da liturgia anglicana, para estudo individual. Por incrível que pareça, o que deu mais trabalho a ensaiar foi um salmo simplicíssimo a 4 vozes que se tinha de cantar na cadência do texto, tal como cantamos os salmos em latim ou vernáculo nas vésperas. É que não basta saber ler inglês, é preciso mesmo entrar na forma e no estilo.
Não sei se chegou a chocar alguém que um coro católico cantasse numa liturgia anglicana. Mas lá há hoje em dia uma excelente relação e colaboração entre as igrejas e também entre os coros. Nalguns dias do ano o coro da Catedral de Westminster vai cantar à Catedral de S. Paulo e vice-versa, numa troca não só de lugares mas de rituais e sua música própria.
E no dia a seguir lá fomos de armas e bagagens, cheios de frascos de álcool com medo da gripe A. Preocupação quase ridícula a um ano de distância, mas estávamos no ponto do alarmismo, com os noticiários a contar diariamente o número de infectados, que atingia no Reino Unido o maior recorde.

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