A vida do coro era conquistada por entre as suas fragilidades. Numa missa ou num ensaio podiam estar reunidas as condições para executar esta peça ou aquela próximo da tal perfeição, se ela existe, mas nada garantia que essas condições de repetiam, fora da densidade de uma celebração ou da adrenalina de um concerto.
Sempre me parecia que a gravação era artificial, procurava recriar a realidade sem nunca o conseguir, e, para mal dos nossos pecados, permitia repetir essa tentativa vezes sem conta, ampliando a imperfeição e a falha.
Além disto, tinha e tenho as maiores reservas quanto aos meios técnicos de captação e reprodução sonora, e/ou aos meios humanos que as manobram, incapazes, a meu ver, de nos reproduzir o acontecimento real.
E, no fim de contas, tive sempre algum pudor em exibir o nosso trabalho sob este suporte, com todas as limitações que lhe via. A prova é que só foi feito propriamente o lançamento de um dos discos, precisamente a 5 de Julho de 2003, com direito a concerto e porto de honra, na mesma igreja em que tinha sido gravado.
Fazendo o balanço, talvez não tenha procedido bem, pois hoje olho para estes 3 discos, que são tudo o que nos ficou do coro, em matéria de som editado, como uma pálida sombra do que o coro cantou. Há umas gravações mais ou menos informais de concertos mas nada que valha a pena venerar.
O nosso primeiro CD surgiu na sequência de um concerto de Reis, dedicado a Natais populares da tradição europeia. O concerto tinha sido para coro, órgão, quinteto de metais e percursão, mas não havia orçamento para tanto, ao pensar numa gravação. Por isso fizemos o CD com coro e órgão, procurando um órgão de dimensões compatíveis com o orgânico que pretendíamos ‘simular’.
A própria questão do órgão era sempre uma limitação, pois na liturgia tínhamos apenas um órgão electrónico, que foi usado apenas em dois concertos, mas não fazia qualquer sentido gravar sem ser com um órgão real, acústico.
Esse 1º Cd, que tomou o nome do programa do referido concerto, foi gravado pelo Valentim de Carvalho na Sé de Lisboa, pois era ali que estava e está o único grande órgão, de conceito europeu, que Lisboa tem. Mas a Sé revelou-se um problema pois era permeável ao som da rua. Eléctrico a subir, eléctrico a descer, uma mota mais extrovertida e mais ainda os Santos Populares. A ideia era gravar antes das férias, já passado o ano escolar ou pastoral, conforme o gosto, mas gravar em Junho foi uma aventura. Até foi preciso pedir à Junta de Freguesia da Sé que baixasse o som dos arraiais no Campo das Cebolas, que subia até à Sé como sobe o ar quente. Uma aventura.
A simpática equipa de gravação podia ter sido mais diligente, não deixando as máquinas a gravar sozinhas, por exemplo, mas o 2º inferno foi mesmo passar aquelas horas da praxe no estúdio, onde foram muito mais colaborantes, mas onde não há muito a fazer senão ouvir vezes sem conta e escolher o mal menor. Não estava habituado e foi mais um contra a somar aos CD.

O balanço para o 3º teve de aguardar não só o entusiasmo mas também os recursos para o investimento inicial. Gravado no rescaldo da digressão a Roma e dedicado ao mesmo mote desta, demoraria bastante tempo a ser montado, e sairia já depois da Páscoa de 2009.

Colaboraram nestas edições discográficas o organista António Mota (1º e 2º CD) e o organista Sérgio Silva (3º CD).
O CD da Escola Diocesana tinha objectivos diferentes e uma linha própria. A música era do Pe. Teodoro Dias de Sousa, Director da Escola, que dirigiu o coro, e o órgão foi-me confiado a mim. Tratando-se do órgão Cavaillé-Coll da Igreja de S. Luís dos Franceses, onde o disco foi gravado, foi um gosto dar este modesto contributo.
Após a extinção do coro, os CD por vender foram oferecidos ao Lar das Irmãzinhas dos Pobres, em Campolide, juntamente com o pouco património que nos sobrou, a pensar no bem estar dos que aí vivem e no meritório trabalho desenvolvido por aquela instituição.
A parte mais dura destas gravações foi sempre o trabalho de audição, selecção e montagem. Nesta como em tantas outras tarefas do coro, foi preciosa a companhia metódica e persistente do Miguel, sem a qual teria ainda protelado mais estes registos. Mas ambos fomos compensados pelos animados jantares na casa da família Fortes, na qual estivemos várias vezes, por entre as concentradas horas e desoras no estúdio móvel, sob o céu estrelado do Oeste.
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