domingo, 11 de abril de 2010

O apagão


Por razões até hoje desconhecidas, aconteceu algo de invulgar na noite de Páscoa do ano 2004, de 10 para 11 de Abril. A Vigília Pascal tinha terminado, as pessoas tinham dispersado, e a igreja ia fechar dentro de minutos. Faltava apenas fazer algumas arrumações para facilitar o dia seguinte quando, subitamente, a luz foi a baixo.
Que grande ironia, já que a celebração da Vigília Pascal começa com a igreja às escuras e a entrada do círio cuja luz se vai alastrando pelas velas dos fiéis, acendendo-se as luzes electricas ao 3º ‘Lumen Christi’, e depois reforçadas no Gloria e no Evangelho.
Mas não, não era outra vigília, era mesmo uma anomalia técnica.
Devo dizer que estar na Igreja dos Jerónimos à noite, apenas com a iluminação exterior que atravessa os vitrais é uma experiência que nunca vou esquecer.
De lanterna em riste lá foram vistos o quadro electrico da igreja e também outro situado algures nos claustros. E nada. Ninguém estava contactável e no outro dia, ou melhor, daqui a umas horas, era domingo, Domingo de Páscoa!
Com redobrado cuidado, não fosse alguém esconder-se na nalgum recanto, a igreja lá foi fechada à luz da lanterna e em ambiente de inquietação.
No dia seguinte, nada tinha mudado e ninguém poderia vir socorrer uma dificuldade técnica no 1º monumento nacional, porque era Domingo de Páscoa. Ainda se fosse um museu, agora uma igreja… por causa de uma missa (?!).
A luz do dia ajudava, mas, a falta da corrente electrica trazia um constangimento forte: não havia amplificação sonora.
Numa igreja tão grande é quase impossível fazer uma missa de domingo, com uma grande assembleia, sem som amplificado para a voz falada. Salvou a situação um magafone guardado na sacristia, que teria sido usado em procissões no exterior.
Mas também não havia órgão, o que, num Domingo de Páscoa resultava um pouco paradoxal.
E foi assim que se chegou à hora da Missa Solene da Ressurreição na qual o coro tinha de cantar.
E cantou.
Cantou a Missa em Sol, de Caldara, com o positivo calado à espera que a luz voltasse. Nunca um contrabaixo e um violoncelo nos tinham dado tanto apoio. Numa peça só com cordas, a afinação do coro foi muito boa.
Com um reforço de velas para os instrumentistas, lá se fez a missa sem grande dificuldade. O restante reportório, a cappella, esse então foi recebido numa atmosfera fantástica, em que todos estavam mais disponíveis para ouvir, desde a primeira sílaba do introito gregoriano Resurrexi, sem qualquer prelúdio instrumental.
As pessoas ficaram admiradas com a prestação do coro e foram mais elogiosas do que o costume. Diziam que o coro tinha soado melhor nesse dia.
Ora, um grande problema ao tentar cantar sem microfones é a alternância com a voz amplificada do presidente. Quando, por exemplo, este diz ou canta o prefácio ao microfone e introduz o Sanctus (cantando a uma só voz), as pessoas precisam quase de 10 segundos para se reconfigurarem auditivamente, e só ao fim de uns compassos ouvem melhor.
Foram tomadas algumas medidas a partir desse dia, no que respeita à iluminação electrica. Mas talvez a mais importante, é que o coro decidiu cantar sem microfones, o que aconteceu pouco tempo depois.
Depois, de facto não se ouvia muito, mas ouvia-se melhor, isto é, de forma mais genuína e autêntica. A dinâmica não estava no botão de nenhuma mesa de mistura, mas na mão de quem dirigia. Voltaremos a esta questão.
A data de 11 de Abril ficou assinalada com mais duas vigilias pascais. A de 1998, quando, pela 1ª vez em Belém, se fizeram todas as leituras propostas pelo missal e respectivos salmos e orações e a de 2009, que viria a ser a última do Coro de Santa Maria de Belém, na qual cantou basicamente gregoriano (a Missa I Lux et origo, Fontes et omnia, Alleluia Confitemini e Pascha nostrum).
As vigílias eram celebrações gealmente simples mas muito belas.

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